Smartphones a serviço da saúde?
Anemia e doenças oculares são alguns dos problemas que podem ser monitorados com o aparelho
Quarta-feira, 14/09/2016 - Categoria: Medicina
Pagar contas, pedir comida, chamar um táxi (ou um Uber), comprar passagem aérea, vender usados, ouvir música, aprender idiomas, monitorar corridas, marcar uma reunião. Décadas atrás, soaria improvável que um dia usaríamos um dispositivo portátil para realizar essas e tantas outras tarefas. A lista de possibilidades parece infinita: também há gente trabalhando para tornar o smartphone uma máquina capaz de fazer exames médicos.
HemaApp
Um dos projetos mais recentes é o HemaApp, uma criação de pesquisadores daUniversidade de Washington. Trata-se de um aplicativo, ainda em desenvolvimento, que detecta anemia. Tudo o que a pessoa precisa fazer é colocar a ponta do dedo sobre a câmera traseira do smartphone. O LED será ativado para iluminar o dedo e, assim, permitir que o app capture imagens para uma análise quase instantânea.
A anemia é uma condição que se caracteriza pela redução ou má-formação de glóbulos vermelhos (hemácias) no sangue, células que respondem principalmente pelo transporte do oxigênio no organismo. O que o HemaApp faz é analisar a cor das imagens capturadas com a câmera do smartphone para estimar os níveis de hemoglobina (proteína que dá cor aos glóbulos vermelhos), o que permite ao médico identificar um quadro de anemia.
É legal saber que um smartphone pode fazer isso, mas a ideia não parece ter sentido quando consideramos que o hemograma — o exame mais usado para detecção de anemia — é um procedimento rápido, eficaz e relativamente barato.
Mas Shwetak Patel, líder do projeto, explica que o intuito do HemaApp e de outros apps médicos não é substituir laboratórios, mas preencher lacunas. A anemia é uma condição bastante comum. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o problema afeta cerca de 25% da população mundial. A maior parte dos casos está em países pobres que, como tal, têm infraestrutura precária ou inexistente para a realização até dos exames mais comuns, como é o caso do hemograma.
Um smartphone com o HemaApp pode ser uma alternativa viável nessas circunstâncias. Além disso, o app tem potencial para diminuir a frequência de coleta de sangue de pessoas que precisam realizar exames regularmente, como pacientes em tratamento para leucemia ou que passaram por um transplante de órgão.
Outras iniciativas
O HemaApp é um projeto até simples perto de outras iniciativas que tentam aproximar ainda mais a medicina das pessoas a partir dos smartphones. A EyeNetra (empresa que tem entre seus fundadores o brasileiro Vitor Pamplona), por exemplo, une acessórios com smartphones para identificar vários tipos de problemas oculares rapidamente.
Ainda em relação à saúde dos olhos, outro projeto que chama atenção é o Peek, aplicativo que utiliza a câmera do smartphone para diagnosticar catarata. A ferramenta tem sido usada em localidades pobres ou afastadas que não contam com serviços de saúde.
Nos Estados Unidos, a FDA, entidade semelhante à Anvisa no Brasil, vem aprovando o uso de aplicativos que permitem, entre outros procedimentos, que o usuário transforme o smartphone em monitor cardíaco com função de eletrocardiograma.
É o tipo de ferramenta que pode salvar a vida de pessoas que têm problemas cardíacos importantes: em caso de detecção de fibrilação atrial (um tipo comum de arritmia), por exemplo, o app pode colocar o paciente em contato direto com um médico para as devidas orientações.
A AliveCor é uma das empresas autorizadas a oferecer esse tipo de solução nos Estados Unidos. O Kardia, o app da companhia, funciona de modo integrado a sensores que são acoplados à traseira do smartphone e tem até versão para Apple Watch.
Já com o SkinVision você pode tirar uma foto de uma mancha que apareceu na sua pele. O aplicativo analisa a imagem para informar se a mancha tem características associadas ao câncer de pele.
Até a área de saúde mental pode ser beneficiada. Tecnologias de reconhecimento de imagem e voz podem ser usadas em conjunto para identificar padrões em expressões faciais e falas que são comuns em quadros de depressão ou transtornos de ansiedade, por exemplo.
Em uma situação hipotética, uma assistente virtual como a Cortana ou a Siri poderia usar esses recursos para sugerir que a pessoa procure ajuda especializada ou, em situações extremas, alertar parentes. Não é por acaso que gigantes como Microsoft, Google e Apple estão cada vez mais interessadas pelo assunto.
E a acurácia?
Mesmo tecnologias já funcionais, como as que foram desenvolvidas pela EyeNetra e a AliveCor, não substituem totalmente os exames feitos em laboratórios e hospitais. Obviamente, os componentes dos smartphones não têm a precisão oferecida pelos equipamentos especializados.
Esse ponto levanta questionamentos muito válidos sobre a viabilidade dos aplicativos para fins médicos. Experimentos feitos com o HemaApp mostram que o índice de precisão do aplicativo na medição de hemoglobina ficou em 69% quando somente o smartphone (um Nexus 5) foi usado. O índice ficou em 74% com o uso complementar de uma lâmpada incandescente e 82% com a conexão de um conjunto de LEDs ao aparelho.
Para um smartphone, são números interessantes, mas eles podem variar de acordo com a capacidade técnica de cada modelo. A cor da pele também pode influenciar nos resultados, embora os pesquisadores já estejam trabalhando em algoritmos que consigam distinguir as características físicas das propriedades do sangue.
Por essas e outras razões, os exames convencionais continuam sendo mandatórios, ao menos nos casos mais sérios. Mas os aplicativos e acessórios para smartphones podem reduzir custos operacionais, dar comodidade aos pacientes por não serem invasivos e auxiliar o trabalho dos médicos ao oferecerem resultados rápidos.
Ainda que a precisão não seja muito alta, a tendência é que profissionais experientes consigam dados suficientes com essas ferramentas para diagnosticar e tratar pacientes em boa parte dos casos. Sem contar que, com o uso da inteligência artificial, a eficácia poderá melhorar substancialmente, embora isso não substitua o papel do médico na definição do diagnóstico e na indicação de tratamento — exceto, talvez, em um futuro distante.
Para o público em geral, os apps podem ainda ajudar a controlar condições crônicas, como diabetes e problemas cardíacos. O efeito indireto disso é que, com essas informações facilmente ao alcance, há boas chances de que o usuário se sinta mais estimulado a cuidar da saúde.
Questionamentos referentes à ética, segurança, privacidade e eficácia são pertinentes ao assunto, mas não impeditivos: em maior ou menor grau, praticamente o mundo todo tem demandas não atendidas em relação à saúde. A tecnologia móvel está mostrando que é possível suprir parte dessa necessidade, principalmente quando inteligência artificial e aplicações nas nuvens entram na jogada.
Fonte: Tecnoblog (Emerson Alecrim)