Médico com 90% de partos normais no curriculum afirma: “É possível não se corromper e oferecer segurança no parto”
Quarta-feira, 15/07/2015 - Categoria:
Em tempos que os índices de parto normal e cesárea praticados pelos obstetras podem ser consultados pelos pacientes causando a revolta de alguns médicos, Dr. Braulio Zorzella, 38 anos, não tem o que esconder nem do que se envergonhar. Pelo contrário. É dele um índice digno de aplausos: nos últimos 12 meses fez 80 partos – apenas 8 foram cesarianas, ou seja, com a ajuda dele 72 mulheres deram à luz seus filhos por parto normal.
Desde que Zorzella terminou a residência em Ginecologia e Obstetrícia em 2005, na Unesp, Universidade Estadual Paulista, sempre teve altos índices de parto normal. Ele lembra de dois professores que o inspiraram, mas mesmo antes de se formar já se considerava um humanista quando o assunto era a forma de nascer. “Depois de formado fui me especializando sozinho, procurando informação e pessoas que pensavam igual a mim”, explica. “Nesta época, de cada dez partos que eu fazia em média sete eram partos normais. Fui melhorando como médico aos poucos, a partir do momento que comecei a acreditar mais na mulher, no corpo, na mente e determinação dela, quando comecei a acreditar que o parto é um evento natural e fisiológico”, conta. Há cinco anos Dr. Zorzella também não faz nenhuma episiotomia – corte no períneo, região entre a vagina e o ânus, para ampliar o canal de parto e “ajudar” o bebê a nascer – prática adotada amplamente no Brasil, apesar de a Organização Mundial da Saúde afirmar ser necessária em apenas 10% dos partos normais.
Conforme ia aumentando o número de atendimentos, passou a entender melhor o trabalho de parto, e melhorar seus índices, conta. “Eu achava que algumas mulheres não dilatavam. E indicava cesárea com parada da dilatação com três centímetros, por exemplo. Hoje já entendo que fiz isso quando elas estavam nos pródromos. A mulher em pródromos está em fase anterior ao trabalho parto. Algumas mulheres ficam muito tempo nessa fase e, se o obstetra não tem essa percepção, acha que ela não está dilatando.”
Sem corte e também sem anestesia
Apenas 10% das mulheres que no último ano tiveram parto normal com a ajuda de Zorzella pediram anestesia. O assunto “dor” é tratado durante todo o pré-natal em conversas entre o médico e a paciente, explica. “Pergunto sempre quais são seus medos e como ela encara a dor do parto. Eu sempre estimulo a tentar parir sem analgesia. A dor é relativa, subjetiva. Tem mulher que acha que não vai aguentar e aguenta. Mas a tranquilizo, dizendo que sempre haverá um anestesista disponível se ela precisar e que essa dor é boa, porque vem com uma grande recompensa no final”, conta. A tentativa de evitar a anestesia obedece evidências científicas. “O trabalho de parto pode ficar mais lento com a analgesia, além de aumentar a necessidade de outras intervenções como o uso de ocitocina e extratores fetais como fórceps e vácuo-extrator”, completa.
Zorzella sempre atendeu em grandes hospitais e confessa que ainda é visto como um “outsider” nesse mundo onde o normal é fazer uma cesariana agendada. “Fui trabalhar em um hospital que tinha mais de 15 obstetras. Todos cesaristas. Muitos eram 100% cesaristas. Dois deles faziam um parto normal de vez em quando e diziam que não avançavam mais porque não conseguiam nesse sistema atual”, conta. O “sistema”, segundo Zorzella, é regido por planos de saúde que pagam pouco, por uma cultura que valoriza a cesárea e por médicos que, muitas vezes, também acreditam que o a cesárea é a melhor solução para a mulher, o que passa longe da realidade, segundo ele. “Uma cesárea desnecessária aumenta em até 120 vezes o risco de problemas respiratórios no bebê, traz dificuldades relacionadas ao não amadurecimento de outros órgãos como refluxo gastro-esofágico e o intestino preso. Para a mulher aumenta em seis vezes o índice de mortalidade materna, em duas a perda de sangue durante o parto, além de outros problemas habituais comuns a todo pós-operatório”, completa.
Dá para fazer parto normal pelo convênio?
É possível fazer parto normal recebendo tão pouco do convênio?, pergunto. “Sim. É possível, mas não a longo prazo. Apenas por ideologia ou sacerdócio”, afirma. Zorzella deixou de atender os planos de saúde depois de muitos anos de baixa remuneração. “Eu mantinha meus costumeiros índices de parto normal, mas me matava de trabalhar e no final do mês não era recompensado financeiramente. Hoje atendo somente particular e faço, em média, sete partos por mês”, conta. Mas, para ele, a baixa remuneração não pode ser desculpa para os índices altíssimos de cesáreas no Brasil – cerca de 84% na rede particular e 52% na rede pública, enquanto a Organização Mundial da Saúde recomenda cerca de 15% de cesarianas como índice aceitável. ”Com organização, perseverança, amor e fé no que se faz é possível mudar o sistema, é possível não se corromper e oferecer segurança no parto e satisfação da mulher e do bebê nessa hora”, afirma.
Mudanças propostas pela ANS são um “bom começo”, segundo o médico
No último dia 6 de julho a ANS, Agência Nacional de Saúde Suplementar, lançou um pacote de medidas para tentar diminuir os números alarmantes de cesáreas no Brasil. Uma dessas medidas, inicialmente, proibia a marcação de partos cirúrgicos sem que a mãe entrasse em trabalho de parto. Chegou-se a afirmar que os planos de saúde não pagariam por esse procedimento se não houvesse evidências de que era necessário. Mas a ANS recuou e a cesárea agendada voltou a ser permitida, desde que a mãe assine um Termo de Consentimento, documento que lista todos os riscos de uma cesárea sem necessidade.
Dr. Zorzella acha que a medida é positiva. “Muito ainda tem que ser feito e aprimorado. Mas já é um começo”, afirma. Sobre o consentimento para fazer cesárea eletiva ele também se mostra favorável. “Já existe um grande ‘mercado das cesáreas’: profissionais que se especializaram nisso e mulheres que querem isso. Nesse momento atual, não dá pra proibir esse método. Primeiro porque as mulheres vão se sentir desrespeitadas na sua vontade, ou seja, feridas em sua autonomia, algo que tanto valorizamos no parto humanizado. Em segundo lugar, porque ainda demorará muitos anos para existir uma estrutura física e de pessoal que atenda o parto normal com qualidade. Havendo uma proibição da cesárea eletiva, mulheres vão ser forçadas a ter parto normal sem querer e talvez pior: serão atendidas por profissionais que não tem boa prática com parto normal. Então o que eu acho o ideal nesse momento é que as mulheres tenham acesso ao parto normal humanizado e que aos poucos se extingua o parto tradicional intervencionista. Que as mulheres tenham acesso à cesárea a pedido, feita em trabalho de parto, aos poucos extinguindo-se aquela feita com hora marcada. Com isso, naturalmente, as mulheres e os profissionais vão migrando para o parto humanizado por ser muito mais seguro e com índices de satisfação muito maiores”, afirma.
Quais são as indicações reais de cesárea?
Como foram apenas oito cesarianas em um ano, Dr. Zorzella sabe de cor os motivos pelos quais teve de desistir do parto normal e fazer uma cirurgia em suas pacientes. As razões que levam a uma cesária são a grosso modo, segundo ele, apenas três. Quando depois da dilatação total da mãe nota-se que não há “passagem” para o bebê, a chamada “desproporção céfalo-pélvica”, quando não há oxigênio suficiente para a mãe ou para o bebê – e são os batimentos cardíacos fetais, líquido amniótico ou até a coleta de sangue do couro cabeludo do bebê que indicam a necessidade de uma cesárea ou quando alguma doença compromete o parto normal, como placenta prévia, herpes ativo, alguns miomas e HIV com uma carga viral acima de um índice estabelecido. Apenas.
Parto em casa é seguro? É sim, senhor!
Além dos hospitais Samaritano e São Luiz em São Paulo e dos hospitais Santa Lucinda e Modelo, em Sorocaba, Dr. Braulio atende partos domiciliares. “O parto domiciliar planejado, com equipe transdisciplinar disponível e experiente e com logística para transferência para o hospital se necessário é sim muito seguro”, garante. A cesárea não é necessariamente uma opção mais confiável por ser feita sempre dentro de um hospital. “Existem cesáreas péssimas, feitas em péssimas condições e com equipes despreparadas”, afirma. Perguntado se estamos em um momento de mais consciência e entendimento da mulher, é categórico: “As coisas estão mudando agora. Chegamos no limite do absurdo, as mulheres acordaram e estão mudando isso”, completa.
Fonte: O Estado de S.Paulo (por Rita Lisauskas)