Exposição pré-natal a paracetamol pode gerar maior risco de problemas comportamentais
Segunda-feira, 05/09/2016 - Categoria:
Segundo um estudo prospectivo, crianças expostas a acetaminofeno (paracetamol) in utero podem ter um maior risco de problemas comportamentais, de acordo com resultados. "Dada a disseminação do uso de acetaminofeno entre grávidas, isso pode ter importantes implicações na saúde pública. No entanto, o risco de não se tratar a febre ou a dor durante a gestação deveria ser cuidadosamente considerado contra qualquer dano potencial do paracetamol para a prole", escreve Evie Stergiakouli, da University of Bristol,na Inglaterra, com seus colaboradores.
Os autores, que relataram seus achados online em 15 de agosto na JAMA Pediatrics, destacam que estudos adicionais são necessários para determinar os mecanismos por trás da associação.
Estudos prévios observaram associações entre o uso de paracetamol durante a gestação e risco aumentado de transtornos hipercinéticos e comportamentos semelhantes a transtorno de déficit de atenção de hiperatividade (TDAH), como relatado pelo Medscape. Além disso, modelos animais sugerem que o uso de paracetamol pode atrapalhar a produção endócrina na vida uterina, como relatado aqui. "Mas a associação não implica em causalidade. Nós queríamos saber se esses problemas eram consistentes com um mecanismo intrauterino ou com problemas comportamentais familiares ou associados a fatores de risco genéticos", disse Evie em uma entrevista ao JAMA Pediatrics.
Usando dados da coorte prospectiva de nascimentos Avon Longitudinal Study of Parents and Children (ALSPAC), os pesquisadores avaliaram associações entre problemas comportamentais na prole com sete anos e uso de paracetamol pré e pós-natal, assim como uso de paracetamol pelo parceiro.
A amostra do estudo incluiu 7796 mães que foram recrutadas no ALSPAC em 1991 e 1992, junto com suas crianças e parceiros. O uso de paracetamol nos três meses prévios foi registrado com base no auto relato materno com 18 e 32 semanas de gestação, e com base no relato materno e paterno quando a prole atingia 61 meses de idade.
Entre as mães, 4415 (53%) relataram uso de paracetamol com 18 semanas, assim como 3381 (42%) com 32 semanas. E 6916 mães (89%) e 3454 parceiros (84%) relataram o uso pós-natal. O comportamento da prole foi avaliado usando a ferramenta de triagem comportamental Strengths and Difficulties Questionnaire (SDQ), que mostrou que 5% das crianças com sete anos de idade (média de idade 79 meses) tinham problemas comportamentais baseado em suas pontuações totais nas dificuldades.
A análise foi repetida várias vezes, ajustando para diversos confusores, incluindo idade materna ao nascimento, paridade, condição socioeconômica, consumo de tabaco e álcool durante a gestação, índice de massa corporal antes da gestação, doenças psiquiátricas maternas auto relatadas, possíveis razões para uso do paracetamol (como migrânea ou infecção) e fatores de risco genéticos para TDAH, relatam os autores.
Na análise inicial, o uso pré-natal de paracetamol pela mãe com 18 semanas foi associado a um aumento na probabilidade de problemas de conduta na prole (risk ratio [RR], 1,20; intervalo de confiança [IC] de 95%, 1,06 – 1,37) e de sintomas de hiperatividade (RR, 1,23; IC de 95%, 1,08 – 1,39). O uso materno de paracetamol com 32 semanas de gestação esteve associado com maiores chances de sintomas emocionais (RR, 1,29; IC de 95%, 1,09 – 1,53), problemas de conduta (RR, 1,42; IC de 95%, 1,25 – 1,62), sintomas de hiperatividade (RR, 1,31; IC de 95%, 1,16 – 1,49), e total de dificuldades (RR, 1,46; IC de 95%, 1,21 – 1,77), alcançadas pela soma das subescalas do SDQ.
"As associações não mudaram quando incluímos as covariáveis nem quando ajustamos o uso materno de paracetamol na gestação para o uso pós-natal ou paterno", disse Evie. De forma importante, os resultados foram semelhantes depois do ajuste para as pontuações de risco poligênico para TDAH maternas com 18 e 32 semanas de gestação. "Esses resultados apontam para um mecanismo intrauterino verdadeiro".
A associação mais forte entre o uso materno de paracetamol e os domínios de problemas emocionais e comportamentais no SDQ durante o terceiro trimestre versus o segundo trimestre sugere que o momento do uso do paracetamol é importante.
"Dado que existe desenvolvimento e crescimento cerebral ativo durante o terceiro trimestre, esse achado poderia indicar que existem períodos do desenvolvimento nos quais o cérebro é mais sensível à exposição ao paracetamol", escrevem os autores.
Embora a conexão entre o uso materno de paracetamol durante a gestação e problemas comportamentais tenha sido observada em outros estudos, "foi surpreendente, nesse estudo, que os efeitos do paracetamol não foram limitados a transtornos hipercinéticos e do tipo TDAH, como havia sido relatado em outros estudos, e se estenderam a outros domínios do SDQ", disse Evie.
Os achados, no entanto, são limitados pela ausência de informação sobre a dose de paracetamol ou duração do uso, assim como a falta de relato materno sobre as indicações do uso de paracetamol, embora a análise tenha sido ajustada para as razões mais comuns, como cefaleias, problemas musculoesqueléticos e infecções.
O mecanismo para a influência do paracetamol no comportamento da prole não é conhecido, mas os autores têm a hipótese de que as propriedades do paracetamol de desregular o sistema endócrino poderiam afetar o desenvolvimento fetal, assim como o feto poderia desenvolver metabólitos tóxicos quando o paracetamol atravessa a placenta ou sofrer uma alteração do desenvolvimento cerebral devido ao estresse oxidativo.
Essas possibilidades destacam "a necessidade de pesquisas experimentais para identificação de possíveis mecanismos causais e para testar explicações causais alternativas", disse Evie.
JAMA Pediatr. Publicado on-line em 15 de Agosto de 2016. Artigo
Fonte: Medscape