Como as novas diretrizes da mamografia nos EUA podem afetar você
O oncologista Rafael Kaliks, especialista em câncer de mama e diretor científico do Instituto Oncoguia, comenta as novas diretrizes para o exame de detecção precoce e o que deve ser repensado à luz da realidade brasileira
Segunda-feira, 26/10/2015 - Categoria: Ginecologia e Obstetrícia
A Sociedade Americana de Oncologia anunciou anteontem as suas novas diretrizes para a realização da mamografia nos Estados Unidos. Elas foram publicadas no dia 20 no Journal of the American Medical Association (JAMA). As condutas americanas influenciam mundialmente o tratamento, a detecção precoce e a prevenção do câncer.
O que mudou:
1 – Em vez de fazer mamografia anual a partir dos 40 anos, agora o rastreamento deve começar aos 45 anos
A mudança está baseada em novos dados de diversos estudos que mostram que a mamografia em larga escala (para mulheres sem fatores de risco) leva a muitas falsas suspeitas e procedimentos desnecessários na faixa entre 40 e 45 anos de idade, quando a incidência de câncer não é tão alta. Portanto, como o benefício seria baixo, e os falsos positivos altos (o malefício), não estaria indicada. Conforme a Sociedade Americana de Oncologia, somente a partir dessa idade os benefícios superam os riscos.
O exame, indicado para detecção precoce no câncer de mama, tem sido alvo de discussões. Um estudo publicado em 2014 no British Medical Journal (BMJ) causou polêmica entre médicos por sugerir que a mamografia não contribui para a diminuição da mortalidade. O artigo foi muito criticado pela comunidade científica internacional.
2 – A Sociedade Americana de Oncologia recomenda que o exame seja feito todo ano entre os 45 e os 55 anos. Depois, passa a ser realizado a cada dois anos
As comparações dos dados sobre a eficácia anual e a cada dois anos indicam que na faixa entre 45 e 55 anos de idade, fazer anualmente a mamografia salvaria mais vidas que se ela fosse feita a cada dois anos. Depois dos 55, essa diferença diminui muito, e não se justificaria fazer anualmente, de acordo com a sociedade americana.
“Isso se aplica à população norte-americana, com base na incidência de câncer na população deles, não necessariamente pode ser estendida para qualquer país”, explica o oncologista Rafael Kaliks, do Hospital Israelita Albert Einstein e diretor científico do Instituto Oncoguia.
3 – Para os americanos, não compensa indicar a mamografia para mulheres que tenham menos de dez anos de expectativa de vida
A partir dos dados analisados, os pesquisadores consideraram que nos casos em que a expectativa de vida é muito baixa (menor do que 10 anos), a probabilidade de se morrer de um câncer de mama detectado com base em rastreamento é pequena, já que outros problemas de saúde poderiam levar à morte antes de o câncer causar maiores problemas.
Do ponto de vista populacional, não valeria a pena promover rastreamento para mulheres com expectativa de vida menor que 10 anos. Isso pode ser uma verdade os Estados Unidos, onde a expectativa de vida é alta.
No entanto, em um país com contrastes sociais tão grandes como o Brasil, é muito difícil calcular a expectativa de vida de uma mulher que chegou aos 60 ou 70 anos de idade. “Essa é uma das recomendações que precisam ser analisadas à luz da realidade brasileira antes de se pensar em colocá-la em prática”, diz o especialista Kaliks.
Brasil não é os Estados Unidos
4 – Mais uma conclusão dos americanos é que não se justifica recorrer ao exame clínico das mamas como estratégia de rastreamento do câncer
Para os médicos americanos, examinar as mamas da paciente em busca de nódulos ou alterações associadas aos tumores passa a não ser mais um recurso eficiente para identificar a doença precocemente.
O oncologista Kaliks afirma que a orientação é compreensível para o contexto dos Estados Unidos, onde 75% a 80% das mulheres se submetem à mamografia com regularidade – um exame que é muito mais sensível para detectar alterações do que o exame clínico.
“No Brasil, onde apenas cerca 35% das mulheres com indicação para o exame chegam realmente a fazê-lo de maneira regular (ao menos a cada 2 anos), deixar de fazer o exame clínico nas outras 65% faria com que perdêssemos a única e última chance de detectar alguns cânceres de maneira relativamente precoce”, diz o médico.
Uma das dificuldades é o acesso aos mamógrafos, o que sabidamente prejudica o alcance detecção precoce, mas outros fatores interferem – como a falta do entendimento da importância do exame. “Muitas deixam de fazer”, afirma Kaliks.
Para fundamentar sua afirmação, o especialista cita o resultado de ação no bairro do M’Boi Mirim, zona sul de São Paulo, para realização de mamografias. De um total de mais de 30.000 mulheres agendadas para realizar a mamografia, quase um terço não compareceram no dia do exame. “Em uma circunstância como essa, o exame clínico continua sendo um recurso para ajudar, de alguma forma, a identificar sinais da doença”, analisa o especialista.
Os médicos também tem sua parcela de responsabilidade na falta de compreensão das mulheres sobre as rotinas de deteccão precoce da doença. Como revelou uma pesquisa encomendada ao DataFolha pelo Instituto Oncoguia e pelo laboratório Roche, pouco mais de um terço das mulheres entre 50 e 69 anos haviam sido submetidas ao exame clínico das mamas durante a consulta médica.
“Isso quer dizer que o exame clínico não está acontecendo de fato, o que é mais um problema em um país onde a adesão à detecção precoce com mamografia já é baixa. Neste aspecto, a falha é dos médicos”, aponta o especialista.
Quais são as recomendações brasileiras
O Instituto Nacional do Câncer (INCA) ligado ao governo, indica que o exame seja feito a partir dos 50 até os 70 anos com intervalo de até dois anos. Essa é a recomendação adotada pelo Ministério da Saúde.
No SUS, a mamografia é autorizada a partir dos 40 anos. Por aqui, a prioridade ainda é conseguir que as mulheres façam o exame.
Já a Sociedade Brasileira de Mastologia recomenda que a mamografia seja feita todo ano dos 40 até os 70 anos de idade.
Kaliks diz que as sociedades brasileiras precisarão analisar os dados da publicação da Sociedade Americana do Câncer (ACS, sigla em inglês) que dão suporte as novas diretrizes e considerar possíveis mudanças face aos novos dados.
Fonte: Brasileiros (Mônica Tarantino - Saúde!Brasileiros)