Edição − Agosto/2014 - Categoria: Ginecologia e Obstetrícia
Importância do estudo do doppler da artéria oftálmica na diferenciação de gestantes com pré-eclâmpsia grave em detrimento, das portadoras de pré-eclâmpsia sobreposta á hipertensão crônica.
AUTOR
Dr. Jorge Luiz da Silva Júnior
ORIENTADOR
Prof. Dr. Ayrton Roberto Pastore¹
1. Membro da International Society of Ultrasound in Obstetrics and Gynecology desde 1991; Coordenador do Setor de Ultrassonografia do Ambulatório de Ginecologia do Hospital das Clínicas da FMUSP; Autor do livro “Ultrassonografia em Ginecologia e Obstetrícia” 2ª Ed. Editora Revinter-RJ, 2010; Livre-Docente pelo Departamento de Radiologia da FMUSP em 2004; Membro Titular do Colégio Brasileiro de Radiologia; Ministra cursos de GO no Cetrus.
RESUMO
A pré eclampsia (PE) constitui uma desordem que cursa com elevação dos níveis pressóricos na gestação, responsável por uma importante parcela de morbimortalidade materna e perinatal. O diagnóstico pode ser uma tarefa difícil em pacientes com hipertensão crônica associada. Em virtude disso, a avaliação da resistência arterial do sistema nervoso central avaliada indiretamente através da insonação de vasos orbitais tem ganhado importância.
Objetivo: realizar uma revisão sobre a importância do estudo do Doppler da artéria oftálmica(AO) na diferenciação da pré-eclâmpsia.
Métodos: revisão sistemática através do banco de dados do medline no período de 1966 a maio de 2014 com uso de palavras chaves.
Resultados: foram encontrados 21 citações referentes a este tema com uso de 37 descritores médicos. Destes estudos apenas 5 artigos eram referentes exclusivamente ao tema de estudo.
Conclusão: O estudo do Doppler da AO constitui uma ferramenta importante na diferenciação das formas de PE porém, estudo com maiores casuísticas devem ser executados para fazer parte da prática clínica.
INTRODUÇÃO
As desordens hipertensivas da gestação respondem por importante fator etrológico de morte materna. A pré-eclâmpsia (PE), se caracteriza por aumento dos níveis pressóricos após 20 semanas de gestação. Constitui uma das principais causas de óbito materno, prematuridade e mortalidade perinatal, presente ao menos em 20% das gestações de alto risco.1,2
A fisiopatologia da PE está relacionada à forma incompleta ou ausência da invasão trofoblástica nas paredes das artérias espiraladas associada à liberação de diversos fatores lesivos ao endotélio vascular sistêmico. Dentre estes, o excesso na produção de tromboxano em contrapartida à prostaciclina.3 O endotélio lesado pelo processo inflamatório, eleva os níveis pressóricos da gestante e proteinúria, por lesões do endotélio renal.3,4
A persistência da lesão endotelial pode levar a forma grave da doença, caracterizada pelo envolvimento de múltiplos órgãos e proteinúria maciça. No sistema nervoso central(SNC), pela quebra da barreira ao hiperfluxo, ocorre edema cerebral. A sua persistência leva à eclampsia, caracterizada pela agitação tonico-clônica (convulsões).5,6
Assim, o diagnóstico diferencial entre PE grave com as portadoras de sobreposição de PE em hipertensas crônicas(HAS) que cursam com lesões de órgãos alvo, é fundamental. Muitas vezes, isso pode ser difícil em virtude das várias formas de lesões que as portadoras de HAS apresentam. Assim, houve maior interesse pelo estudo da circulação intracraniana, com o intuito de predizer possíveis lesões do SNC e diferenciar a PE grave da HAS.7
A análise dopplervelocimétrica dos vasos orbitais passou a ser importante metodologia diagnóstica, em virtude das similaridades embriológicas e funcionais com outros vasos intracranianos. Além disso, é método não invasivo, sem uso de materiais radioativos e de fácil aplicabilidade entre diferentes examinadores.8
A partir da década de 90, estudos sobre a análise dopplervelocimétrica das artérias oftálmicas (AO) e central da retina revelaram importante queda nos níveis do índice de pulsatilidade (IP) em gestantes portadoras de PE.9 Isto ocorre pela vasodilatação dessas artérias em resposta á vasoconstrição dos vasos periféricos do globo ocular. Estudos posteriores, não somente confirmaram esse achado, como também observaram um comportamento característico desses vasos.10 Nas portadoras de PE há maior elevação do pico da velocidade diastólica.9,10
Em virtude do padrão dicrótico da onda da AO, ou seja, duas incisuras diastólicas, foi observado uma “corcunda diastólica” proeminente. Através desta constatação, a razão entre esses picos de velocidade (RPV), se tornou uma nova proposta para avaliar possíveis complicações do SNC. Quanto maior for a onda de velocidade diastólica após incisura protodiastólica maior será a RPV.11
A partir disso, valores de corte de índice de resistência(IR), IP e RPV, tem sido propostos com intuito de diferenciar as formas de PE grave. Porém, são estudos de pequena casuística que necessitam de maior número de pacientes para validação clínica.11
O objetivo deste estudo é realizar uma revisão sistemática da importância da dopplervelocimetria dos vasos do globo ocular, na diferenciação da PE grave e da PE com sobreposição HAS.
MATERIAL E METODOS
Para realização desta pesquisa foi utilizado como instrumento, a busca eletrônica no site do Medline de 1966 até maio de 2014. Para este intuito, palavras chaves através de descritores médicos foram usadas para pesquisa. Estes termos foram referentes ao estudo do Doppler na artéria oftálmica relacionado com PE grave e da PE com sobreposição HAS.
Foram encontrados 37 descritores médicos relacionado ao tema de estudo, que resultou em 21 citações nesse período.
Como critério de exclusão no estudo, artigos sem análise do doppler na PE, critérios de PE em desacordo com a National Hight Blood Pressure Education Program (working group on high blood pressure in pregnangy 2000), estudos em cobaias, estudos em outro idioma não seja o inglês, artigos sem resumo do estudo e com conflito de interesse, foram excluídos do estudo.12
Apenas cinco artigos estavam relacionados a valores de Doppler para diferenciação das PE. Dos demais, metade relacionavam a predição de PE em gestantes com fatores de riscos, três artigos analisaram a predição de PE em comparação com a dopplervelocimetria das artérias uterinas, e o restante com valores do Doppler da AO no primeiro trimestre com a predição da PE.
DISCUSSÃO
O estudo do Doppler da AO foi motivado a partir da necessidade de se avaliar as alterações no SNC, antes da eclâmpsia. A partir de resultados do início da década de 90, Hata et al (1997) demonstraram valores distintos no estudo do doppler da AO, quando comparado com pacientes normotensas. Porém, avaliou um número pequeno de pacientes (cerca de 30 casos).10
Mackenzie et al (1995) por sua vez, determinaram os valores de IP e IR considerados normais para gestantes normotensas. Diante destas observações, foi constatado em gestante com PE diminuição do IR e IP e aumento de RPV.13
Estudos posteriores conduzidos por Belfort et al, (1999) confirmaram esses achados. Elegeram o Doppler da AO para a análise do comportamento vascular do SNC em detrimento, além dos outros vasos já utilizados na prática clínica, a exemplo da artéria cerebral média.14
Oliveira et al (2012) em análise do estudo dopplevelocimétrico por observadores diferentes comprovou ser uma técnica reprodutível.8
Barbosa et al (2010) também constataram o uso do Doppler da AO para predizer a PE grave com sinais de iminência de eclâmpsia.15
Diniz et al (2008) corrobaram a importância do doppler da AO, além de elegê-la o melhor parâmetro para avaliação do acomentimento do SNC por PE. Propuseram RPV 0,84, como sendo o ponto de corte para risco de complicações do SNC.11
Matias et al (2012) propuseram valores de corte dos índice de pulsatilidade (IP) e índice de resistência (IR), para diferenciação entre PE e PE com sobreposição de HAS. Verificaram ser a RPV o melhor preditor para essa diferenciação. O ponto de corte para predizer PE pura foi IR < 0,81. Entretanto, estudaram apenas pacientes com fatores de risco de PE e, no seguimento não foi estudada a diferenciação entre as outras formas de PE.16
Oliveira et al (2013) avaliaram pacientes com PE pura e PE com sobreposição de HAS. O valor de corte para a diferenciação das duas formas de PE foi IR de 0,65 e, quanto menor sugere PE pura. O RPV 0,78 foi o ponto de corte, e valor abaixo, sugere PE com HAS. Por último, concluiram ser RPV, o parâmetro mais fidedigno para diferenciar PE de PE sobreposta .quando comparado aos IP e IR.17
Matias et al (2014) analisaram a sensibilidade da dopplervelocimetria da AO para predizer o risco de PE em comparação com outros marcadores. Encontraram uma sensibilidade de 70 % quando associado a história clínica, e de 75% se associado ao Doppler das artérias de uterinas. Além disso, aumentou a capacidade discriminatória dos outros marcadores.18
A idade gestacional ideal para a realização do estudo Doppler da AO ainda é discutível. Brandão et al (2012) em gestantes com formas distintas de PE não obtiveram triagem positiva com uso da AO em fase iniciais da gestação. Em contrapartida, encontraram diferença significativa com a utilização do Doppler das artérias uterinas. 19
A partir desses trabalhos, os desafios tem sido diagnosticar as alterações na fase inicial da gestação, com intuito de predizer as possíveis complicações da PE.
Alves et al (2014) determinaram os valores da normalidade do IP e IP da AO no primeiro trimestre. Estes autores encontraram com valor de corte de normalidade IR 0,81 e IP de 2,06 numa série de 409 gestações. Contudo, outros trabalhos com maior casuística deverão ser realizados com o intuito de predizer PE no primeiro trimestre. 20
CONCLUSÃO
Pode-se inferir a partir desta revisão sistemática que o Doppler da artéria oftálmica é uma ferramenta importante na diferenciação das formas de PE. Entretanto, novos estudos deverão ser realizados com intuito de aplicá-lo na prática clínica.
O principal desafio é saber qual o melhor período da gestação para a realização do Doppler da AO em predizer PE, principalmente a forma sobreposta?
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