Edição − Março/2013 - Categoria: Ultrassonografia Geral
Aspectos Ultrassonográficos da Toxoplasmose Congênita – Relato de Caso
Autores:
LUIZ FERNANDO GONÇALVES
Instituição:
CETRUS – Centro de Ensino em Tomografia, Ressonância e Ultrassonografia
INTRODUÇÃO
A toxoplasmose congênita (TC) constitui entidade que pode determinar várias repercussões fetais. Abortamento espontâneo, parto pré-termo, morte neonatal ou sequelas severas como a clássica Tríade de Sabin: retinocoroidite, calcificações cerebrais e hidrocefalia ou microcefalia são alguns exemplos dessas alterações¹.
Aproximadamente 40-50% das mães que adquirem toxoplasmose durante a gravidez podem transmitir a infecção para o feto. ²A prevalência da soroconversão materna da toxoplasmose e da infecção congênita varia de acordo com cada região. No Brasil observa-se taxa de soroconversão na gestação em torno de 1 a 14 casos por 1000 gestações e de infecção congênita em torno de 0,2 a 2 por 1000 nascidos vivos. ³
A ultrassonografia (US) é importante ferramenta no manejo da TC, tanto para o diagnóstico como para a observação da resposta terapêutica e avaliação do prognóstico fetal. A amniocentese permite que o T. gondii seja isolado. 4
Neste contexto realizou-se revisão da literatura através das principais bases de dados, a fim de descrever e enumerar os achados ultrassonográficos mais frequentes entre os fetos infectados pelo T. gondii.
PACIENTES E MÉTODO
O presente estudo é uma revisão da literatura obtida das seguintes fontes: Scielo, Pubmed, Bireme e Cochrane. Dos 120 artigos relacionados ao tema no período compreendido entre janeiro de 1991 e dezembro de 2011, foram selecionados os 23 mais importantes.
REVISÃO DE LITERATURA
O diagnóstico da infecção fetal pode ser estabelecido através das técnicas de biologia molecular aplicadas na detecção do DNA do parasita no liquido amniótico (LA).¹ Para tanto, realiza-se amniocentese seguida da reação em cadeia de Polimerase (PCR) do LA.
O diagnóstico invasivo é muito importante, porque apenas 28% dos fetos infectados apresentam alterações ultrassonográficas5. O controle evolutivo desses fetos deverá ser realizado com a US seriada, em intervalos não maiores do que 4 semanas, de acordo com a FEBRASGO6.
Quanto mais precoce a infecção fetal, maior é o número de fetos com alterações ultrassonográficas7. Dos fetos infectados, 77,9% apresentaram anormalidades morfológicas no 1º trimestre da gravidez, e 20,4%, no 2º trimestre. Nenhum deles apresentou alterações visíveis à US no 3º trimestre. 7 Assim, se a infecção fetal ocorre no início da gestação, pior será o prognóstico pela maior probabilidade de lesões fetais. 8
Trabalho realizado no tradicional centro de pesquisa sobre TC na França 7, e outro em Belo Horizonte – Brasil 9, mostraram os principais achados ultrassonográficos fetais na TC com resultados semelhantes (Tabela 1).
Diversos trabalhos mostraram outras alterações e sequelas da TC. como: corioretinite e catarata fetal10, calcificações abdominais (incluindo fígado, baço e próximo ao estômago) 11, presença de mega cisterna magna12, além da possibilidade de danos neurológicos persistentes com déficit neuropsicomotor13 Há ainda relatos da associação entre toxoplasmose e lesão miocárdica fetal14.
Nos fetos portadores de infecção congênita, o intestino hiperecogênico é achado comum. Na nossa revisão não encontramos essa associação. Dois trabalhos 15,16 com 182 e 166 casos de intestino hiperecogênico fetal não evidenciaram associação com infecção pelo T.gondii, . Dessa forma, esse sinal não é marcador de TC, mas é mais frequente na fibrose cística e infecção por citomegalovirus.
A seguir, descreveremos os principais sinais ultrassonográficos da TC:
ALTERAÇÕES INTRACRANIANAS
A ventriculomagalia (VL) é uma alteração do sistema nervoso central caracterizada por dilatação dos ventrículos laterais. O diagnóstico ultrassonográfico é feito quando a medida do átrio do ventrículo é superior a 10mm17. A VL é a alteração mais frequente encontrada nos fetos com TC7,9,18 e nesses casos correlaciona-se com mau prognóstico fetal4.
A Figura 1 mostra ventriculomegalia bilateral de feto com 34 semanas infectado pelo T. gondii.
Fig 1: Corte axial do plano cefálico fetal com dilatação simétrica dos ventrículos laterais
(Cortesia do Dr. Carlos Frazatto Netto)
A dilatação ventricular habitualmente é bilateral e simétrica7. Entretanto, Senat et al19 descreveram um caso de ventriculomegalia unilateral associado à TC em uma gestante de 36 anos de idade. A causa desse raro achado seria a obstrução unilateral do forame de Monro.
Habitualmente, as lesões necróticas causadas pelo T.gondii na região do aqueduto de Sylvius ou a formação de abscesso com gliose reacional seriam responsáveis pela estenose ou obstrução que pode causar acometimento do 3º ventriculo9.
Em alguns casos, observa-se a ausência de aumento da circunferência craniana. O mecanismo da dilatação ventricular parece estar associado à substituição do parênquima cerebral por líquor (exvacuum) 20 e não à estenose aquedutal
A associação ventriculomegalia e calcificações intracranianas são achados frequentes na TC21. As calcificações correspondem a focos de necrose que são observados ao US como áreas de ecogenididade aumentada7. As calcificações intracranianas podem ocorrer no parênquima cerebral, na zona peri-ventricular ou no tálamo 21. Não há relatos de calcificações no cerebelo, tronco ou medula 9.
O ultrassonografista deve ficar atento, pois em muitos casos o grau da calcificação é baixo, e este sinal pode não ser identificado.
ALTERAÇÕES INTRA-ABDOMINAIS
O abdome fetal é outro sítio muito comum de alterações decorrentes da TC. O aumento da circunferência abdominal pode ser um sinal de lesão hepática nos fetos infectados. A hepatomegalia ocorre como consequência da hepatite pelo T. gondii e pode determinar o aumento de transaminases e da gama- glutamiltransferase no sangue fetal7.
Calcificações intra-abdominais também podem ser observadas nos fetos com TC. O local mais acometido por essas calcificações parece ser o fígado fetal. Nos casos com múltiplas calcificações o feto pode desenvolver peritonite neonatal, porém, nos casos de calcificações isoladas e sobretudo restritas a um único órgão, o desfecho tende a ser normal11.
Outros achados que denotam o comprometimento sistêmico da TC identificáveis ao US são: ascite e esplenomegalia fetal. Eles são menos frequentes comparados às alterações intracranianas, devido ao tropismo do parasita pelo sistema nervoso central (SNC) do feto9. Entretanto, Pedreira, et al 20, relataram caso de feto com TC e esplenomegalia isolada, sem as típicas lesões do SNC. A esplenomegalia pode representar um marcador precoce de infecção fetal20.
A figura 2 mostra ascite volumosa em feto de 34 semanas infectado pelo T. gondii .
Fig 2: Corte transversal do abdome fetal com a presença de líquido ascítico (Cortesia do Dr. Carlos Frazatto Netto).
OUTRAS ALTERAÇÕES
A espessura placentária é outro parâmetro importante no diagnóstico das infecções congênitas. A literatura destaca a sua importância clínica e o consenso entre os autores. O aumento ou a diminuição da espessura da placenta é marcador ecográfico de diferentes processos patológicos 4. Espessura placentária ≥ percentil 90 para a idade gestacional ou maior que 5cm em qualquer idade gestacional sugere processo infeccioso, dentre eles a toxoplasmose.A figura 3 mostra placentomegalia em feto de 34 semanas infectado pelo T. gondii.
Fig 3: Placentomegalia. Feto infectado pelo T. gondii com 34 semanas de gestação.
A espessura da placenta mediu 8,1 cm (Cortesia do Dr. Carlos Frazatto Netto).
Apesar de relativamente rara, a infecção pelo T. gondii pode ocasionar, alterações cardíacas fetais. Derrame pericárdico e miocardiopatia dilatada (por lesão direta do parasito sobre o miocárdio fetal) são alterações cardíacas que podem ser encontradas14
SEQUELAS
A TC, além de entidade importante na gênese de repercussões fetais também pode produzir morbidade durante a vida pós-natal.(Ok)
Dentre as sequelas mais conhecidas temos a coriorretinite e a catarata congênita, que podem acometer mais de 10% dos fetos com TC 22. Tem início na coróide e retina, podendo causar a opacidade do cristalino fetal. Entretanto, essas alterações podem não ser identificadas à US, de forma especial a coriorretinite. Muitos fetos considerados “assintomáticos” ou sem sinais ultrassonográficos da TC poderão apresentar essas alterações alguns meses após o nascimento10.
Bérrebi, et al13 acompanharam por 20 anos a evolução das crianças nascidas com TC. Diversos casos de coriorretinite foram diagnosticados vários anos após o nascimento.
Outras sequelas que podem acometer os recém-nascidos remanescentes dessa infecção, dizem respeito às alterações neurológicas. Atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, alterações do tônus muscular e até mesmo convulsões podem ocorrer desde o nascimento e também contribuem para a morbi-mortalidade pós-natal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após a revisão dos principais sinais ultrassonográficos da TC, é importante salientarmos :
1º ) a importância da US no manejo e no prognóstico de fetos infectados pelo T. gondii, uma vez que a dilatação ventricular e a catarata (quando diagnosticada) são sinais associados a mau prognóstico fetal 4;
2º ) a metanálise publicada pela biblioteca Cochrane 23 sobre efetividade do tratamento pré-natal para a TC, mostrou que as pacientes que receberam tratamento para a toxoplasmose congênita apresentaram diminuição apenas da taxa de transmissão vertical. As taxas de manifestações clínicas nos fetos previamente infectados permaneceram inalteradas, o que torna a US seriada obrigatória no acompanhamento desses fetos.
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