Edição − Novembro/2013 - Categoria: Ecocardiografia e Ecografia Vascular
A Ecografia Vascular no Diagnóstico da Displasia Fibromuscular das Artérias Cervicais
AUTOR
Dr. José Olímpio Dias Junior
Professor e coordenador dos Cursos de Ecografia Vascular no Cetrus. Médico da Divisão de Ecocardiografia e Ecografia Vascular do Hospital Mater Dei – Belo Horizonte – MG. Ecografista Vascular do CEU (Centro Especializado de Ultrasonografia) e Instituto Mineiro de Radiodiagnóstico (IMRAD) – Belo Horizonte – MG.
INSTITUIÇÃO
CETRUS – Centro de Ensino em Tomografia, Ressonância e Ultrassonografia
INTRODUÇÃO
A doença dos segmentos extracranianos das artérias carótidas e vertebrais tem como principal mecanismo etiopatogênico a aterosclerose. Entretanto, outras condições patológicas podem comprometer estes vasos. Entre elas citam-se a arterite de Takayasu, arterite de células gigantes, angiopatia pós radiação, displasia fibromuscular, dissecções e aneurismas. É importante o conhecimento das características clínicas e fisiopatológicas de cada condição, o que terá papel decisivo na conduta terapêutica, na evolução clínica e no prognóstico de longo prazo.
A Ecografia Vascular, empregando critérios morfológicos e hemodinâmicos permite a avaliação diagnóstica da maioria destas condições. Em casos de displasia fibromuscular os resultados do estudo ultrassonográfico apresentam como limitação a localização desfavorável das lesões (segmento cervical distal da artéria carótida interna).
Neste artigo é realizada breve revisão dos aspectos clínicos diagnósticos e terapêuticos desta doença e do possível papel diagnóstico reservado para a Ecografia Vascular.
Displasia Fibromuscular
Displasia fibromuscular (DFM) é uma doença arterial não aterosclerótica e não inflamatória rara. Ela se relaciona a menos de 1% de todas as oclusões arteriais. É mais comum em pacientes jovens, do sexo feminino, sendo responsável por 3 a 5% das lesões arteriais neste grupo de pacientes. As artérias mais frequentemente comprometidas são as renais, seguidas pelas carótidas internas, ilíacas, subclávias e vertebrais.
Esta condição foi descrita por Leadbetter e Burkland em 1938. Sua etiologia é incerta, sendo considerados fatores humorais, trauma mecânico, predisposição genética, isquemia da parede arterial e fatores imunológicos.
O comprometimento das artérias renais ocorre em 85% dos casos e a apresentação clínica mais frequente é a hipertensão renovascular. A artéria carótida interna é a segunda localização mais frequente, sendo comprometida bilateralmente em 65 % dos pacientes. A apresentação clínica inclui quadros de isquemia cerebral (20% dos casos), ataque isquêmico transitório (29%), infarto cerebral trombo-embólico (6%). DFM tem sido associada a aneurismas intracranianos em cerca de 30% dos pacientes e a dissecções carotídeas espontâneas em 10-20%. O comprometimento associado das artérias vertebrais ocorre em 10% dos pacientes.
A incidência relatada da DFM em adultos é de 0,6% através da angiografia e de 1,1% através de autópsias. A relação sexo feminino/ masculino é de 3:1. A faixa etária mais comprometida é entre os 25 a 50 anos.
Quatro tipos histológicos têm sido descritos: fibroplasia intimal; hiperplasia medial; displasia perimedial; fibroplasia medial, sendo esta última o padrão encontrado em 90% dos casos. Histologicamente, a lesão resulta frequentemente em áreas multifocais de estenose secundária a hiperplasia dos componentes muscular e fibroso da parede arterial alternando com segmentos de adelgaçamento acentuado da parede e dilatações aneurismáticas.
O método diagnóstico habitualmente empregado é a arteriografia. Os achados angiográficos incluem três padrões característicos: O mais comum (aproximadamente 80% dos casos) é o descrito como “colar de contas” (“string of beads”) que consiste em estenoses e dilatações seqüenciais (figura 1). O segundo padrão é de estenoses tubulares uni ou multifocais com superfície relativamente lisa. O terceiro padrão é referido como displasia fibromuscular atípica e se caracteriza por comprometimento focal de uma das paredes que apresenta dilatação sacular semelhante a um divertículo. A evolução inclui progressão para aneurisma verdadeiro.
Em série publicada em 1999, Van Damme e cols. descreveram sua experiência pessoal no acompanhamento e tratamento de 13 pacientes com displasia fibromuscular da artéria carótida interna.
A apresentação clínica foi a seguinte: quatro pacientes com ataques isquêmicos transitórios (AIT), um com amaurose fugaz, dois com quadro de acidentes vasculares cerebrais menores, quatro com sintomas isquêmicos cerebrais não focais e dois assintomáticos.
Os pacientes se submeteram a arteriografia e em todos se evidenciou o padrão de “colar de contas”.
O tratamento cirúrgico foi realizado em sete pacientes. Seis pacientes se submeteram a tratamento endovascular associado com endarterectomia da bifurcação carotídea em três (figura 2) e a correção de acotovelamento em um. Em um caso foi realizada a interposição de enxerto venoso para excluir um microaneurisma sacular da artéria carótida interna. Em outro caso verificou-se a necessidade de realização de ampliação arterial com um longo patch venoso após tratamento endovascular. Não houve mortalidade pós-operatória ou acidentes vasculares cerebrais neste grupo de pacientes. O tratamento clínico foi reservado para seis pacientes assintomáticos ou com sintomas não focais.
O acompanhamento médio destes pacientes foi de 47 meses, durante os quais somente um dos pacientes apresentou quadro de AIT, sendo conduzido clinicamente.
Para os autores a displasia fibromuscular é uma causa rara de isquemia cerebral. As lesões assintomáticas podem ser abordadas conservadoramente. O tratamento cirúrgico, endovascular ou a associação de ambos deve ser considerada para os casos sintomáticos, representando opções eficientes e duradouras.
Ecografia Vascular
A avaliação do papel do exame ultrassonográfico das artérias cervicais deve levar em consideração a ampla disponibilidade do método, a progressiva melhora dos equipamentos e a crescente experiência dos examinadores. Assim, apesar de não se constituir em método diagnóstico de escolha, consideramos sua realização recomendada, após avaliação clínica criteriosa e análise de suas possiblidades e limitações.
Possibilidades
– Permite exame morfológico e hemodinâmico das artérias carótidas comuns e interna, podendo evidenciar o aspecto de estenoses sequenciais intercaladas com dilatações focais (figura 3). O emprego do Power Doppler pode ser de utilidade para o diagnóstico da DFM (figura 4).
– Mapeamento anatômico detalhado nos pacientes sintomáticos, nos quais se indique tratamento cirúrgico ou endovascular incluindo: posição anatômica das artérias carótidas interna e externa, distância da bifurcação ao lobo da orelha, extensão do segmento comprometido, estado anatômico e funcional das demais artérias com destino cerebral (carótida interna contra-lateral e vertebrais) (figura 5).
– Estudo do sistema vértebro-basilar pode evidenciar fluxo reverso (fenômeno do roubo subclávio), achado não específico e pouco sensível para DFM.
– Exame de outras artérias potencialmente comprometidas: renais, mesentérica, tronco celíaco, e ilíacas.
– Acompanhamento evolutivo dos pacientes submetidos a tratamento cirúrgico ou endovascular cujo segmento arterial comprometido fosse accessível à exploração ultra-sonográfica.
– Permite excluir o diagnóstico de comprometimento aterosclerótico significativo das artérias cervicais.
– Diagnóstico diferencial com outras condições patológicas não ateroscleróticas que comprometem essas artérias. Assim, o estudo ultra-sonográfico com Doppler é o método de escolha para o diagnóstico da arterite de Takayasu, da angiopatia pós radiação e das dissecções da artéria carótida comum. As dissecções das artérias carótida interna e vertebral podem ser detectadas em aproximadamente 95% e 79%, respectivamente. Em alguns casos, no entanto, os achados são inespecíficos e o diagnóstico de dissecção só pode ser confirmado pela associação de quadro clínico típico.
Limitações
– Como a maioria das lesões ocorre ao nível da primeira e segunda vértebras cervicais (segmento mais cefálico da artéria carótida interna), sua exploração pode não ser possível com o método.
– Recomenda-se o emprego de transdutores de baixa frequência (convexo ou setorial) visando reduzir a importância desta limitação (figura 6).
– Exploração submandibular com transdutor de Doppler Transcraniano dirigido para cima pode aumentar a capacidade diagnóstica do método.
– A confirmação dos achados empregando a angiografia carotídea é recomendada antes da instituição do tratamento endovascular ou de intervenção cirúrgica.
Figura 1: Aspecto de “colar de contas” na angiografia carotídea
Figura 2: Dilatação das estenoses sequências da Displasia Fibromuscular
Figura 3: Ecografia Vascular: aspecto da DFM ao Doppler Colorido
Figura 4: Ecografia Vascular: aspecto da DFM ao Power Doppler
Figura 5: Ecografia Vascular: aspecto da DFM da artéria vertebral ao Power Doppler
Figura 6: Ecografia Vascular: aspecto da DFM ao Doppler Colorido
REFERÊNCIAS
1. Begelman SM, Olin JW. Nonatherosclerotic arterial disease of the extracranial cerebrovasculature. Semin Vasc Surg. 2000 Jun;13(2):153-64.
2. Arning C. Nonatherosclerotic disease of the cervical arteries: role of ultrasonography for diagnosis. Vasa. 2001 Jul;30(3):160-7.
3. Van Damme H, Quaniers J, Limet R. Fibromuscular dysplasia. Rev Med Liege. 1999 Dec;54(12):935-42.
4. Van Damme H, Sakalihasan N, Limet R. Fibromuscular dysplasia of the internal carotid artery. Personal experience with 13 cases and literature review. Acta Chir Belg. 1999 Aug;99(4):163-8.
5. Srivastava S, Sharma P, Bhaumik S, Behari M. Fibromuscular dysplasia of internal carotid artery. Neurol India 1999;47:77-8
6. Kochan J.P. Fibromuscular dysplasia (Carotid artery). eMedicine. www.emedicine.com/radio/topic280.htm
7. Wilson J. Fibromuscular dysplasia. eMedicine. www.emedicine.com/neuro/topic432.htm